Algures,
no Porto, o silêncio reina sem dúvida alguma. Preparação e “briefing”para a
missão de risco, que aguardo intensamente numa bolsa de água, à espera de poder
começar a explorar.
No
dia 6 de Julho de 1983, por volta das 16 horas, toda a gente sente o esplendor de
um grito ensurdecedor do nascimento de uma criança tão fantástica, tão
magnífica, perfeita diria eu. Não houve festa, nem publicidade sobre este
acontecimento tão esperado pelas duas pessoas que mais me querem bem. Se ainda
me lembro vim cá para fora com cinquenta e poucos centímetros e três quilos
aproximadamente. Não conhecia nada. Nem mesmo a pessoa que me agarrava nos
braços de tal maneira seguro, que no meio de tanta surpresa me sentia bem
confortável. Uns braços gigantes e desconhecidos pegaram em mim imediatamente e
transferiram-me para o berçário, onde fiquei algum tempo, assustado e ao mesmo
tempo fascinado.
Passei
algumas noites sem perceber o que se passava, à minha volta estavam outros
iguais a mim, também sem saberem onde estavam nem o que ia acontecer, muitos
choravam para tentar pedir ajuda, mas eu não. Ficava a olhar para o tecto e a
imaginar o que me esperava deste novo mundo. Tentava perceber o porque dos objectos
estranhos por cima da minha cabeça que giravam e giravam, mas nunca saíam do
mesmo lugar, estaria preso naquele sítio? Pois tudo à minha volta era como uma
prisão, não conseguia sair, nem mesmo que quisesse. Tudo à minha volta estava
tapado sem qualquer chance para escapar. Foi por pouco tempo a minha estadia
naquele lugar arrepiante. Alguém chegou, olhou para mim, falou uma língua
incompreensível e pegou-me ao colo com tanta suavidade que não me contive e me
agarrei como se fosse um pedaço de seda. Fui levado por vários corredores,
passei por várias portas, até que cheguei numa sala onde estava a pessoa que me
trouxe a este mundo desconhecido. Segurou-me nos braços e sorriu, adormeci bem
aconchegado.
Passados
alguns dias, fui levado para fora da instalação de onde tinha chegado. Fiz um
percurso estranho, dentro de algo muito pequeno e com muitas coisas que nunca
tinha visto. Chegamos ao local, era uma casa com aspecto velho mas convidativo,
a que mais tarde iria chamar de casa. Carregaram-me ao colo até um quarto onde
me deitaram numa cama em cima de uma manta quente (ainda a tenho muito bem
guardada). Daqui para a frente é o que normalmente costuma acontecer, cresci
aprendi a falar a língua, cresceram-me os dentes de leite, ganhei o amor pelos
e dos meus pais e claro as asneiras também eram normais. Partir jarras, não
querer comer, acordar os meus pais a meio da noite com medo do escuro entre
outras coisas.
Após
estes acontecimentos, passados 10 anos estava eu a comemorar o meu décimo
aniversário, sem os dois dentes da frente e com um sorriso rasgado de alegria,
rodeado de amigos e prestes a soprar as velas do bolo. Comia, bebia como uma
criança normal, só queria brincadeira, fosse com amigos ou amigas. Tudo era
mágico tudo era perfeito, naquela altura. Já andava na escola, já tinha
aprendido os números, a ler e a escrever. Reguadas nas mãos por não saber a
tabuada de cor, os nomes dos reis ou os rios de Portugal. Já naquela altura era
muito criativo, pouco social e falador, talvez devido ao facto de ser mais
acanhado e inseguro de mim mesmo. A começar o 5º ano na escola Dr. Leonardo
Coimbra onde fiquei até ao 9º ano. Entre esses quatro anos horrorosos que
frequentei a escola com arruaceiros, bandidos, miúdos como eu, mas
completamente diferentes em termos afectivos. Eu agradeço por ter tido a
infância que tive e não a troco por nada, nem mesmo um saco cheio de dinheiro.
Durante esses quatro anos, o meu pai teve um gravíssimo problema de saúde…
felizmente safou-se, mas como só tinha doze anos custou-me estar mais de 2/3
meses sem sequer o ver.
Finalmente
saí daquela escola maldita, isto, eu com 16 anos. Consegui entrar para a defunta
escola secundária de Soares dos Reis para o curso de artes gráficas. Conheci muita
gente nova, diferente e de sítios variados. Com a particularidade de serem
(sermos) muito unidos, parecíamos unha e carne e sempre que alguém queria saber
da turma 10º I nos intervalos, era ver o maior grupo no recreio ou nos
corredores da escola. Abordei assuntos diversos nas aulas como história de
arte, português, métodos quantitativos, teoria de desenho e oficinas que por
sua vez abordava fotografia, composição gráfica, serigrafia, projecto e mais
umas quantas que não me lembro. Mais tarde fui para a EPES (Escola Profissional
de Economia Social) tirar o curso de artes em granito (mais me pareceu
arquitectura e andei o curso quase todo a carregar placas de granito para trás
e para a frente). No 12º ano resolvi deixar de estudar para ir trabalhar. Meu dito,
meu feito: tive na Pizza-hut da Boavista como empregado de mesa durante uns
bons dois anos e depois meti na cabeça que ia estudar outra vez. Ingressei num
curso de imagem digital enquanto estava a tempo parcial, à noite na PH, durou um
ano mas foi uma experiência fantástica para mim, trabalhar com o Adobe Photoshop e o Adobe première, mexer em câmaras semi e profissionais e no fim dar
o tratamento à imagem, som ou vídeo. Adorei, concluí o curso apresentando uma
curta-metragem de 9 minutos certos, foi alta risota e tirei 17 valores bem
merecidos.
Estamos
no ano de 2006, princípios de Junho, 8 horas da manhã, acabo de amarrar a tenda
a mota, calço as luvas, ponho o capacete e olho para cima acompanhado com um
suspiro e penso em chegar bem ao destino, a concentração de motards em Faro, a
celebração dos 25 anos de existência. Por volta do meio-dia paramos em Santarém
para almoçar e seguimos viagem, chegamos a faro quase a bater 22h. Foi montar
as tendas, comer qualquer coisa e saco-cama. Foram 3 dias de concentração bem
passados, no retorno resolvemos aproveitar e fazer Faro – Sagres e depois subir
a costa vicentina na calma para ver as praias e as paisagens. Paramos em Porto
Covo para descansar, grandes filmes com a mulher do parque que não nos queria
deixar entrar e montar a tenda. Muita discussão mas lá conseguimos o que
queríamos, ao entrar deparei-me com um espaço bem grande para as tendas e a
mulher a dizer que já não havia lugar… fiquei com um pó à mulher!!… adiante.
Jantamos por lá e fomos dar uma volta pela cidade onde descobrimos que para
além de haver entretenimento de rua também iria começar o FMM (Festival de
Músicas do Mundo), simplesmente fantástico.
Nesse
mesmo ano resolvi dar um passo gigante na minha vida, despedi-me de onde estava
a trabalhar, comprei um bilhete só de ida em direcção à Holanda e no dia 22 de
Agosto estava eu a partir para um mundo completamente desconhecido, uma odisseia
pelo espaço, pensei eu. Foi uma viagem atribulada depois de ter trocado de
camioneta em Suco, Espanha. Odiei passar a França, acho que foi o país que mais
me custou a atravessar, passei pela Bélgica também (país muito sombrio na minha
opinião) e finalmente cheguei a Holanda a Roterdão passadas quase 48 horas após
ter partido de Portugal. Apanhei o comboio para o sul e acabei por descobrir um
“inn” onde fiquei a noite. No dia a seguir encontrei uma empresa de trabalho e
fui lá para me inscrever. Por incrível que pareça consegui tratar das papeladas
legais, consegui trabalho e também casa para ficar. Fui conhecer a cidade
(Vlissigen) sozinho e a pé sem sequer saber dizer uma única palavra em holandês
e com um papel com a morada da casa (willelmina straat) caso me perde-se
conseguiria encontrar o caminho de volta. No dia a seguir estava as 5.30 da
manha no “escritório” da action (empresa onde fiquei a trabalhar) à espera da
boleia para ir para Roterdão para uma fábrica de fruta descarregar contentores
e fazer paletes.
Após
5 meses mudei de casa, antes estava no centro da cidade e agora estava no meio
da aldeia, onde a cidade mais próxima ficava a 15 quilómetros, muito mau mesmo.
O bom da aldeia foi que a casa era enorme com um jardim na parte de trás e um
anexo. Completados 7 meses de estadia resolvi ir embora, já não estava a gostar
do sítio, dos vizinhos nem dos moradores da casa. Arrumei as malas e vim para
Portugal a dia 24 de Maio.
Quando
cheguei aproveitei logo o bom tempo até Agosto para usufruir dos raios solares
para de alguma forma me bronzear. Princípios de Setembro comecei a trabalhar
num call center a recibos verdes a
part-time e mais tarde uns meses comecei a trabalhar numa gráfica também em part-time, passados 6 meses sai do call center e fiquei na gráfica a full-time onde estive por 4 anos.
Problemas
com patrões, não receber o que é meu por direito, fazer viagens sem sentido
para poder apanhar os senhores da “pasta”… Ou seja desde que voltei para
Portugal o meu “serviço laboral” tem sido uma desgraça.
Em
2010 finalmente consegui entrar para o centro alimentar (já estava atrás deste
curso há dois anos sensivelmente) e o resto daqui para a frente ainda está em
aberto, deixo o destino decidir o meu caminho por onde ando.
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