segunda-feira, 23 de abril de 2012

A História da minha Vida


Algures, no Porto, o silêncio reina sem dúvida alguma. Preparação e “briefing”para a missão de risco, que aguardo intensamente numa bolsa de água, à espera de poder começar a explorar.

No dia 6 de Julho de 1983, por volta das 16 horas, toda a gente sente o esplendor de um grito ensurdecedor do nascimento de uma criança tão fantástica, tão magnífica, perfeita diria eu. Não houve festa, nem publicidade sobre este acontecimento tão esperado pelas duas pessoas que mais me querem bem. Se ainda me lembro vim cá para fora com cinquenta e poucos centímetros e três quilos aproximadamente. Não conhecia nada. Nem mesmo a pessoa que me agarrava nos braços de tal maneira seguro, que no meio de tanta surpresa me sentia bem confortável. Uns braços gigantes e desconhecidos pegaram em mim imediatamente e transferiram-me para o berçário, onde fiquei algum tempo, assustado e ao mesmo tempo fascinado.

Passei algumas noites sem perceber o que se passava, à minha volta estavam outros iguais a mim, também sem saberem onde estavam nem o que ia acontecer, muitos choravam para tentar pedir ajuda, mas eu não. Ficava a olhar para o tecto e a imaginar o que me esperava deste novo mundo. Tentava perceber o porque dos objectos estranhos por cima da minha cabeça que giravam e giravam, mas nunca saíam do mesmo lugar, estaria preso naquele sítio? Pois tudo à minha volta era como uma prisão, não conseguia sair, nem mesmo que quisesse. Tudo à minha volta estava tapado sem qualquer chance para escapar. Foi por pouco tempo a minha estadia naquele lugar arrepiante. Alguém chegou, olhou para mim, falou uma língua incompreensível e pegou-me ao colo com tanta suavidade que não me contive e me agarrei como se fosse um pedaço de seda. Fui levado por vários corredores, passei por várias portas, até que cheguei numa sala onde estava a pessoa que me trouxe a este mundo desconhecido. Segurou-me nos braços e sorriu, adormeci bem aconchegado.

Passados alguns dias, fui levado para fora da instalação de onde tinha chegado. Fiz um percurso estranho, dentro de algo muito pequeno e com muitas coisas que nunca tinha visto. Chegamos ao local, era uma casa com aspecto velho mas convidativo, a que mais tarde iria chamar de casa. Carregaram-me ao colo até um quarto onde me deitaram numa cama em cima de uma manta quente (ainda a tenho muito bem guardada). Daqui para a frente é o que normalmente costuma acontecer, cresci aprendi a falar a língua, cresceram-me os dentes de leite, ganhei o amor pelos e dos meus pais e claro as asneiras também eram normais. Partir jarras, não querer comer, acordar os meus pais a meio da noite com medo do escuro entre outras coisas.

Após estes acontecimentos, passados 10 anos estava eu a comemorar o meu décimo aniversário, sem os dois dentes da frente e com um sorriso rasgado de alegria, rodeado de amigos e prestes a soprar as velas do bolo. Comia, bebia como uma criança normal, só queria brincadeira, fosse com amigos ou amigas. Tudo era mágico tudo era perfeito, naquela altura. Já andava na escola, já tinha aprendido os números, a ler e a escrever. Reguadas nas mãos por não saber a tabuada de cor, os nomes dos reis ou os rios de Portugal. Já naquela altura era muito criativo, pouco social e falador, talvez devido ao facto de ser mais acanhado e inseguro de mim mesmo. A começar o 5º ano na escola Dr. Leonardo Coimbra onde fiquei até ao 9º ano. Entre esses quatro anos horrorosos que frequentei a escola com arruaceiros, bandidos, miúdos como eu, mas completamente diferentes em termos afectivos. Eu agradeço por ter tido a infância que tive e não a troco por nada, nem mesmo um saco cheio de dinheiro. Durante esses quatro anos, o meu pai teve um gravíssimo problema de saúde… felizmente safou-se, mas como só tinha doze anos custou-me estar mais de 2/3 meses sem sequer o ver.

Finalmente saí daquela escola maldita, isto, eu com 16 anos. Consegui entrar para a defunta escola secundária de Soares dos Reis para o curso de artes gráficas. Conheci muita gente nova, diferente e de sítios variados. Com a particularidade de serem (sermos) muito unidos, parecíamos unha e carne e sempre que alguém queria saber da turma 10º I nos intervalos, era ver o maior grupo no recreio ou nos corredores da escola. Abordei assuntos diversos nas aulas como história de arte, português, métodos quantitativos, teoria de desenho e oficinas que por sua vez abordava fotografia, composição gráfica, serigrafia, projecto e mais umas quantas que não me lembro. Mais tarde fui para a EPES (Escola Profissional de Economia Social) tirar o curso de artes em granito (mais me pareceu arquitectura e andei o curso quase todo a carregar placas de granito para trás e para a frente). No 12º ano resolvi deixar de estudar para ir trabalhar. Meu dito, meu feito: tive na Pizza-hut da Boavista como empregado de mesa durante uns bons dois anos e depois meti na cabeça que ia estudar outra vez. Ingressei num curso de imagem digital enquanto estava a tempo parcial, à noite na PH, durou um ano mas foi uma experiência fantástica para mim, trabalhar com o Adobe Photoshop e o Adobe première, mexer em câmaras semi e profissionais e no fim dar o tratamento à imagem, som ou vídeo. Adorei, concluí o curso apresentando uma curta-metragem de 9 minutos certos, foi alta risota e tirei 17 valores bem merecidos.

Estamos no ano de 2006, princípios de Junho, 8 horas da manhã, acabo de amarrar a tenda a mota, calço as luvas, ponho o capacete e olho para cima acompanhado com um suspiro e penso em chegar bem ao destino, a concentração de motards em Faro, a celebração dos 25 anos de existência. Por volta do meio-dia paramos em Santarém para almoçar e seguimos viagem, chegamos a faro quase a bater 22h. Foi montar as tendas, comer qualquer coisa e saco-cama. Foram 3 dias de concentração bem passados, no retorno resolvemos aproveitar e fazer Faro – Sagres e depois subir a costa vicentina na calma para ver as praias e as paisagens. Paramos em Porto Covo para descansar, grandes filmes com a mulher do parque que não nos queria deixar entrar e montar a tenda. Muita discussão mas lá conseguimos o que queríamos, ao entrar deparei-me com um espaço bem grande para as tendas e a mulher a dizer que já não havia lugar… fiquei com um pó à mulher!!… adiante. Jantamos por lá e fomos dar uma volta pela cidade onde descobrimos que para além de haver entretenimento de rua também iria começar o FMM (Festival de Músicas do Mundo), simplesmente fantástico.

Nesse mesmo ano resolvi dar um passo gigante na minha vida, despedi-me de onde estava a trabalhar, comprei um bilhete só de ida em direcção à Holanda e no dia 22 de Agosto estava eu a partir para um mundo completamente desconhecido, uma odisseia pelo espaço, pensei eu. Foi uma viagem atribulada depois de ter trocado de camioneta em Suco, Espanha. Odiei passar a França, acho que foi o país que mais me custou a atravessar, passei pela Bélgica também (país muito sombrio na minha opinião) e finalmente cheguei a Holanda a Roterdão passadas quase 48 horas após ter partido de Portugal. Apanhei o comboio para o sul e acabei por descobrir um “inn” onde fiquei a noite. No dia a seguir encontrei uma empresa de trabalho e fui lá para me inscrever. Por incrível que pareça consegui tratar das papeladas legais, consegui trabalho e também casa para ficar. Fui conhecer a cidade (Vlissigen) sozinho e a pé sem sequer saber dizer uma única palavra em holandês e com um papel com a morada da casa (willelmina straat) caso me perde-se conseguiria encontrar o caminho de volta. No dia a seguir estava as 5.30 da manha no “escritório” da action (empresa onde fiquei a trabalhar) à espera da boleia para ir para Roterdão para uma fábrica de fruta descarregar contentores e fazer paletes.

Após 5 meses mudei de casa, antes estava no centro da cidade e agora estava no meio da aldeia, onde a cidade mais próxima ficava a 15 quilómetros, muito mau mesmo. O bom da aldeia foi que a casa era enorme com um jardim na parte de trás e um anexo. Completados 7 meses de estadia resolvi ir embora, já não estava a gostar do sítio, dos vizinhos nem dos moradores da casa. Arrumei as malas e vim para Portugal a dia 24 de Maio.

Quando cheguei aproveitei logo o bom tempo até Agosto para usufruir dos raios solares para de alguma forma me bronzear. Princípios de Setembro comecei a trabalhar num call center a recibos verdes a part-time e mais tarde uns meses comecei a trabalhar numa gráfica também em part-time, passados 6 meses sai do call center e fiquei na gráfica a full-time onde estive por 4 anos.
Problemas com patrões, não receber o que é meu por direito, fazer viagens sem sentido para poder apanhar os senhores da “pasta”… Ou seja desde que voltei para Portugal o meu “serviço laboral” tem sido uma desgraça.

Em 2010 finalmente consegui entrar para o centro alimentar (já estava atrás deste curso há dois anos sensivelmente) e o resto daqui para a frente ainda está em aberto, deixo o destino decidir o meu caminho por onde ando.

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